Alessandra Fonseca
O homem é um ser que fala. Podemos
inclusive dizer que a faculdade da língua, antes da do pensamento, é o que
diferencia o homem dos outros animais efetivamente. Tanto a palavra quanto os
símbolos existem apenas no universo humano. No entanto, a palavra não é apenas
a expressão sonora ou escrita dos pensamentos. Podemos vê-la em ação em Libras
– a linguagem dos sinais utilizados pelos surdo-mudos – ou na imagem retratada
em uma obra de arte, por exemplo. Podemos registrá-la nos pontinhos do Braille
ou em símbolos musicais. E por quantas outras vezes o silêncio fala mais que
mil palavras? Tudo isso constitui nossa linguagem.
É comum, por outro lado, nos referirmos ao
processo de interação dentro de um grupo específico de animais como
‘linguagem’. Dizemos, por exemplo, que as abelhas ‘dançam’ quando querem avisar
outras abelhas onde encontraram pólen. De fato, há aí uma forma de comunicação.
Contudo, ela é caracterizada principalmente por reflexos e instintos, regidos
por leis biológicas, idênticas e imutáveis dentro da espécie: as abelhas sempre
dançarão quando quiserem avisar as outras abelhas sobre a existência de pólen
em determinado lugar.
Analisando mais atentamente e, sobretudo,
considerando que este padrão se repetirá até que a espécie sofra uma mutação
genética é possível afirmar que tal comportamento não tem história, não é
refletido e, portanto, a ele não se atribuem finalidades. Apenas, repete-se
cegamente o padrão instintivo da espécie.
É chegado, então, o momento de nos
diferenciarmos dos outros animais.
Do homem espera-se que esteja consciente da
finalidade de suas ações. Para isso, as ações se manifestam primeiramente sob a
forma de pensamentos (imagens, palavras – símbolos!), como uma possibilidade e,
executá-las dependerá da escolha dos meios necessários para que se alcancem as
finalidades propostas. Desta forma, podemos também afirmar que no que tange ao
homem, cada ação proposta demanda uma reflexão, uma análise baseada no conhecimento
prévio de mundo, através de uma leitura ora consciente ora inconsciente dos
símbolos com os quais já cruzou ao longo do seu caminho.
Através dos símbolos conseguimos elaborar
uma imagem acústica – linguagem também! - que nos distancia da realidade vivida
e, desta forma, nos permite reorganizá-la e dar a ela um novo sentido. O
símbolo funciona para nós como um guia que nos leva a reflexões interiores – um
caminho, um meio e não um fim.
Neste ponto, vou contrariar algumas escolas
filosóficas modernas que acreditam que o que não pode ser articulado verbal ou
racionalmente não tem sentido ou verdade e vou explicar o símbolo como a ponte
entre a alma individual e a psique da espécie, ou seja, o fio condutor do que
Jung denominou de Inconsciente Coletivo, onde residem as experiências humanas
de todos os tempos, do passado, do presente e do futuro. E é aqui que começamos
nossa conversa sobre o Tarô.
O Instinto da Alma
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBZ9FQYoaIhIcrA7tSML-nC0u0Q3NlBVQz1QzFaFPQpN83Dqbf05qfolv9a3YSMqALm_EkQkws31asAAc17T5SjJwwjCFDoShfzOuMRsn3ZF0UrEyoK0lWqug2jT2Tj6kbaHAuv3mr9u4g/s1600/marselha10.jpg)
A prova disso é que todas as culturas têm
Mãe, Pai, deuses bons e ruins, seres apaixonados representantes do amor, um
pajé, um velho sábio, uma entidade mágica. Isso porque, bem como nossa vida
biológica, a nossa vida psicológica parte de uma mesma essência: a essência da
espécie humana.
A Ética
Acredito que todas as pessoas que trabalham
com o Tarô sejam abordadas por outras pessoas que querem saber a respeito do
Tarô. Quando isso acontece comigo (e acontece com muita frequência) eu explico
tudo o que escrevi aqui.
Passeio pelas várias linguagens existentes,
passo pelo caminho das infinitas imagens acústicas que utilizamos para designar
e atuar sobre as existências, entro no campo do livre-arbítrio e dos instintos
do corpo e da alma. Depois, me meto a uma breve análise de mitos comparados
para chegar ao inconsciente coletivo e, por fim, muito simplesmente respondo
que o Tarô é um alfabeto simbólico constituído por imagens arquetípicas
(retratos daqueles arquétipos lá de cima), que trazem à consciência as imagens
que a alma está vivenciando num dado recorte do espaço-tempo.
Ao final, meu ouvinte decepcionado vem me
dizer que não pode ser assim, que para lermos o Tarô precisamos ter sido
agraciados por um dom divino. Tarô demanda estudo e, como exemplifiquei aqui, o
estudo do tarólogo deve ir além dos métodos de tiragem e memorização engessada
do significado divinatório das cartas.
O tarólogo tem que conhecer os símbolos,
tem que saber contextualizá-los, tem que entender que os símbolos são os
alicerces da diferença entre um homem e um animal irracional, tem que conhecer
da história do Tarô e da história humana, tem que conhecer dos instintos do
corpo e dos instintos da alma e, além disso, tem que escolher as palavras com
que vai expressar as suas leituras por ter diante de si, do outro lado da mesa,
um ser - humano cheio de dores e incertezas.
Talvez esteja aí, em todos os nossos ‘tem
que’, o dom divino com que fomos agraciados.
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