Ana Marques
Olhamos
para o tarô e o associamos ao incerto, ao vazio, ao desconhecido. Fazemos dele
uma ponte para as nossas projeções do futuro, a partir da nossa ideia do que
nos está reservado. Suas misteriosas figuras nada nos dizem, por vezes, mas
sentimos intensamente que os símbolos fazem parte de nosso interior, e que seus
mistérios nos levarão a conhecer conquistas ou infortúnios que nos estão
reservados.
O
que não conseguimos perceber é que os sentimentos que o tarô desperta existem
dentro de nós: são espelhos da nossa vida e da forma como encaramos cada fato
ocorrido no dia a dia. Por mais que pareça estranho pensar assim, o futuro não
é uma incógnita: ele é o resultado de cada uma de nossas ações.
O Futuro: construído ou predestinado?
Se
com nossas atitudes, toda uma série de acontecimentos ocorre, com que então
poderíamos afirmar a existência de algo parecido com o Destino? Ou com a noção
vendida edifundida a respeito do Destino? Onde vamos colocar na nossa vida a
ideia de um ser "superior" que nos guiaria, onde seríamos como
cachorrinhos na coleira do dono? Aceitar a existência desse mestre que
escreveria as linhas de nossas vidas, seria como aceitar a castração do
indivíduo, a limitação da capacidade do ser para conduzir a própria vida. De
que serviria crescer, se aperfeiçoar, ler e produzir, se a nossa vida estivesse
inteiramente pré-determinada? A própria ideia do livre arbítrio contradiz essa
noção de destino traçado. No momento em que acreditamos que podemos decidir
nosso caminho, estaremos automaticamente influenciando o nosso futuro. Se, ao
contrário, o destino é imutável, então o livre arbítrio é uma piada de mau
gosto, porque de antemão tudo é conhecido e estamos vivendo dia após dia com as
consequências de escolhas que outros fizeram por nós, enquanto nos enganam,
dizendo que fomos nós que decidimos assim.
Acreditar
na predeterminação é abdicar da responsabilidade perante a própria vida e, em muito,
do sentido dela. Qual seria o sentido de vivermos procurando ser melhores do
que fomos, se tudo que poderemos ser já é conhecido de antemão? Se não existem
surpresas e nem escolhas? Seríamos peões num jogo de xadrez cósmico?
Muitos
acreditam em destino, mas não pela lógica, porém por uma insistência em fugir
de si mesmo e dasconsequências
advindas das próprias escolhas. Uma vez que o Ser Superior não está nos dando a
mão e dizendo para que lado devemos ir, cabe única e exclusivamente a nós a
decisão e a responsabilidade pelas consequências advindas dela. Pode não ser
confortável pensar assim, mas pelo menos estaremos sofrendo as consequências do
que tivermos escolhido, com um livre arbítrio real, e não teremos desculpas
para fugir de um problema que insistimos em dizer que não causamos.
No
mito de Édipo, este ouve uma profecia onde mataria seu próprio pai e casaria
com a mãe; devido a isso ele decide fugir, e em momento algum pensa em
enfrentar a situação. Preferiu vestir a roupa do mártir e abandonar seu lar,
indo exatamente ao encontro das profecias, porque escolheu permanecer
inconsciente de sua realidade e, consequentemente, de si mesmo. Ao colocarmos a
culpa no Destino, tal como Édipo, nos colocamos na posição de inocentes
fantoches da vida e vítimas do acaso, na qual repetiremos incessantemente:
"a vida quis assim", quando na realidade fomos nós que tivemos medo,
abaixamos a cabeça e entregamos a responsabilidade.
O
medo é um sentimento poderoso, foi ele que inspirou nossos antepassados na
criação dos Deuses e dos rituais para agradá-los. Como nossos antepassados,
temos medo do que desconhecemos. No entanto, em nossos dias, onde a ciência se
encarregou de nos explicar a lógica natural por trás de uma série de eventos, o
que permaneceu como um grande desconhecido é o nosso amanhã. Nisso as pessoas
se dividem entre os que vivem o presente, aqueles que ignoram o futuro e os que
desejam avidamente conhecê-lo. Esse terceiro grupo procura toda sorte de
oráculos: runas, leitura da borra de café, bola de cristal, entre outros. Além,
é claro, do tarô.
Ao
buscarem os tarólogos e cartomantes, estão tentando descobrir no futuro o que
(acreditam) estar reservado e, principalmente, se tudo que desejam está
previsto nele. Olham ansiosamente as cartas emba-ralhadas e depois dispostas da
mais variadas formas, veem símbolos arrepiantes: cachorros uivando para a lua,
uma torre caindo e levando homens com ela, o diabo segurando uma corda que está
amarrada a duas pessoas. Quando acham que estão apavorados, novos símbolos os
acalmam: estrelas no céu onde uma mulher derrama água na terra, um lindo sol
sobre duas crianças, uma dançarina envolta numa coroa de flores. Não entendem
exatamente o que cada um deles quer dizer, por isso, perscrutam a expressão do
tarólogo. Desejam adivinhar o que ele pensa o que viu o que enfeitou o que não
contou. Pensam em toda uma série de perguntas para que todo o futuro seja
decifrado, até que cada esquina possa ser virada sem surpresas.
Depois,
inutilmente, refazem a mesma pergunta, desejando que em algum momento o tarô dê
a resposta que querem ouvir.
E
saem dessa consulta com todo o futuro gravado numa fita, anotado num papel ou
guardado na memória. Ficam esperando que as previsões se realizem: que
indubitavelmente mudarão de emprego em seis meses, que ficarão levemente
doentes no próximo mês, que "aquela" pessoa os ama, que os parentes
os respeitam, que aquele amigo realmente os inveja e que o problema financeiro
será resolvido com o aumento de salário, na mudança de emprego.
Ao
buscarem essas respostas, estão querendo visualizar um futuro de contos de
fadas, onde os dragões e bruxas más já terão sido derrotados. Normalmente não
querem saber onde estão as suas falhas e fraquezas, o que podem melhorar e
polir para serem pessoas mais inteiras nesse futuro. Interiormente sabem a
resposta para essas questões, e não as querem ouvir. O que buscam, na
realidade, é o que está fora, quando qualquer resposta vem de dentro.
Querem
acreditar e ouvir que o futuro está desenhado. Ficarão tranquilos e seguirão em frente. Então os
meses se passarão e o emprego novo não virá. Não entenderão mais nada: "O
futuro não estava garantido? Não era apenas esperar?". Não... Não era.
Não
bastava o que o tarô havia mostrado, era preciso que as atitudes fossem
tomadas. Apenas atitudes (ações) geram consequências. Não existe viagem à Paris
para quem se esconde debaixo da cama, nem emprego para quem não o está
buscando. O futuro que foi visto não era um destino inexorável, não ia se
realizar sem que cada um fizesse a sua parte. Porque o futuro depende do
presente. Sem que o emprego novo seja procurado (anúncios, currículos
cadastrados, amigos da mesma área) ele não se concretizará. Em algum lugar, o
novo emprego estava vago, mas como não fomos até ele, uma outra pessoa foi, e
assim, uma oportunidade se perdeu.
O
peso que cada ação pode ou não ter em nossa vida faz parte do que será o nosso
futuro, já que ele não se encontra imutável diante de nós, esperando-nos como
se fosse uma espada sobre nossas cabeças. O futuro é construído a cada segundo,
a cada passo que atrasamos na rua para ver uma vitrine, a cada revista que
deixamos para comprar amanhã.
As
menores ações, aparentemente pequenas e inofensivas, podem modificar toda nossa
expectativa de futuro. Nós todos conhecemos exemplos assim. A escolha de
pertencer a uma lista de discussão na Internet pode dar início a mudanças
radicais, onde os contatos com novas pessoas poderão dar o impulso necessário
para um novo emprego, uma nova casa ou mesmo um casamento.
Apesar
de tomarmos decisões o tempo todo, nossa visão de suas consequências é
extremamente limitada. Cada virada de esquina nos leva a caminhos novos, onde
todos os nossos valores poderão ser testados e modificados, onde nossas
vivências passadas nos orientarão rumo ao futuro, onde novas atitudes serão
cobradas, e caberá a nós a procura, em nosso interior, de que forma
caminharemos naquela estrada, ou se pegaremos o atalho logo à direita.
Portanto,
as nossas ações não têm o tamanho e nem importância pré-definida. Essas
variantes vão sendo conhecidas conforme o tempo passa e o mundo que nossa
atitude escondia por trás dela começa a se desenhar. A cada momento em que
vemos novas consequências diante da (suposta) pequena mudança de rumo tomada,
percebemos que um universo foi deixado para trás, e outro novo se abriu à nossa
frente.
Por
isso, os conceitos anteriormente explanados são importantes e complementares: o
futuro é constituído de ações, e essas ações não tem tamanho, tem
consequências.
Mas
então, se o tarô não serve para "prever" o futuro, para que serve
ele? Qual a sua utilidade?
A Utilidade do Tarô - Uma jornada
A
utilidade primordial do tarô não se trata de adivinhar o futuro, mas enxergar
quais são os caminhos estamos escolhendo e o porquê. Ele utiliza símbolos para
acessar o que existe de mais verdadeiro dentro de nós: o nosso inconsciente.
Nossas motivações, interesses, características, suscetibilidades, mágoas e
problemas. O tarô pode nos colocar frente a uma jornada, onde a vivência em cada Arcano nos
mostraria um pouco de nós mesmos, para que então pudéssemos caminhar em direção
à "individuação", utilizando um termo de Jung, numa direção que nos
colocaria conscientes de nós, fazendo com que deixássemos de ser seres
amestrados reagindo ao estímulo apresentado. Cada faceta do inconsciente, seria
trazida ao consciente e, aos poucos, poderíamos perceber o que realmente
queremos fazer, e aquilo que é resultado apenas de reflexo. Para que deixemos
de ser como ratos numa experiência de laboratório. Quem não se conhece, se
comporta como um rato, reagindo ao queijo ou ao choque que lhe é dado.
Percebendo
os estímulos, não escolhe as atitudes de sua vida: é sua vida que determina as
suas atitudes. Ao sofrer pela conclusão de uma escolha, ficará arraigado em si
o sentimento
de
que sofrerá novamente diante daquela escolha, não se fazendo as necessárias
perguntas: qual foi o motivo do sofrimento? Qual atitude que tomei que me levou
a essa dor? Toda e qualquer atitude como essa me levará necessariamente a um
processo doloroso? É necessário diferenciar a reação automática de um
comportamento a ser adotado. O velho ditado "gato escaldado tem medo de
água fria" é perfeito para ilustrar como a grande maioria das pessoas se
comporta. Como na analogia, associam a "água" com a "dor"
sem procurar conhecer os demais fatores que ocasionaram a situação. Sendo
assim, a reação se tornou a atitude e, a partir de agora, qualquer
"água" será a possível causa da "dor". Esse tipo de análise
faz da vida uma série de acontecimentos superficiais, onde o sentido do momento
vivido foi apenas arranhado.
Se
estamos dispostos a sair da superfície e a não aceitarmos mais respostas
limitantes como "eu sou assim mesmo" ou "foi o destino", e
se não queremos mais cercear nossa capacidade de conscientização, o tarô pode
ser uma valiosa ferramenta. Servirá para acessarmos as profundezas de nossas
motivações e experiências anteriores, para começarmos a trilhar o caminho de
volta para nosso interior.
Com
seus arquétipos, o tarô nos ajuda a construir a estrada de nossa personalidade
e vai mostrando nossa forma de enxergar o mundo e as pessoas. Aos poucos,
poderemos nos reconectar ao nosso inconsciente, trazendo para a luz nosso
verdadeiro "eu", onde as escolhas poderão ser analisadas de acordo
com o que desejamos para nós. O tarô pode ser essa ponte, onde nossas desculpas
irão aparecer como que o que realmente são: desculpas. Onde nossos problemas de
caráter irão surgir sem enfeites, e teremos de nos olhar como somos hoje, para
que a luz da consciência possa refletir sobre o que desejamos ser.
Para
que enfrentemos essa jornada, é necessário estarmos preparados para enfrentar
um novo mundo. O mundo do EU. O mundo onde todas as ideias a respeito de nós
mesmos serão questionadas e avaliadas, onde o réu será ao mesmo tempo o juiz,
onde a morte se mesclarácom a vida. Estaremos diante de nossa luz e de nossa
sombra e, a cada passo que dermos, quando acharmos que estamos chegando,
estaremos apenas começando.
É
preciso entregar-se para que a jornada se inicie. É preciso aceitar que muito
do que acreditamos ser parte de nós, na realidade é um parasita. E que aquelas
características que rejeitamos para o fundo do baú de nossa existência, se
tratam de nossa essência mais pura.
A
Jornada pelo Tarô constitui um caminho: a busca da própria individualidade.
Encarar os símbolos de cada carta, decifrar delas o sentido, meditar em suas
implicações, perceber a lógica profunda de uma sequência de lâminas para o
momento da sua vida pode abrir um vasto espaço de novos "eus", sequer
suspeitados. Devemos trilhar esse caminho, trazendo as experiências para nosso
interior e, só depois que elas fizerem parte de nós, transformá-las em
conhecimento prático. Esse processo pode fazer de nós seres mais completos,
mais integrados e, a cada dia que passar, mais conscientes de que o futuro é
argila, moldada por nossas próprias mãos.
Finalização
- O Tarô prevê o Futuro?
Não,
o tarô não prevê o futuro. Ele indica as consequências e os caminhos, que
devido a nossa forma de agir (ou reagir), estamos propensos a escolher.
Dependendo da forma como a pessoa conduz as próprias atitudes, um possível
"futuro" pode aparecer, e pode também ser modificado, caso a atitude
mude. Tudo que o tarólogo enxerga está dentro da pessoa e é através desse canal
que se pode vislumbrar o que pode ser o futuro dela.
O Tarô é, antes de qualquer coisa, um livro: o livro
da vida
Fatos
inevitáveis podem ser vistos também? Há controvérsias. Alguns vão argumentar
que determinadas "previsões" mostram-se como inevitáveis, outros vão
dizer que qualquer fato pré-determinado nos colocaria novamente na mão do
"Destino", contra o qual não adianta lutar. Mas seja qual for a
postura adotada, o que tem real importância é o aprendizado que se pode obter
utilizando essa ferramenta para acessar o interior. Um aprendizado que não se
deixe enganar pelos falsos sorrisos de nossas máscaras e chegue diretamente no
cerne da questão: quem realmente somos.