sábado, 6 de fevereiro de 2016

Fantasias cartomânticas e tarológicas

Abelard Gregorian

Sempre me chamou atenção, não só no Brasil, mas também na Europa onde passei um período importante da minha formação, as vestes coloridas, véus, xales e turbantes utilizados por certa tribo de cartomantes. No entanto, no interior da França, onde vivi por um tempo, as senhoras moradoras das vilas e que lidavam com cartas nunca colocavam qualquer tipo de vestimenta diferente para conversar com quem as procuravam. Acontecia sempre uma entrevista discreta, sem alardes e aparatos exteriores, dentro dos costumes do tratamento cotidiano.
Com o tempo, especialmente após o advento da Internet, vimos crescer visivelmente a propaganda com “embalagens chamativas” que, por vezes, chegam ao carnavalesco. Como situar culturalmente este fato?



Por qual razão algumas pessoas utilizam vestidos coloridos, colares e turbantes para ler cartas? Uma primeira explicação que tenho ouvido para essa pergunta é que a cartomancia tem um lado espiritual que requer a utilização vestes especiais. Não me parece uma boa resposta, pois basta observar astrólogos e professores de astrologia, que lidam visivelmente com uma arte de natureza mais celeste que o baralho, nem por isso se cobrem de cetim ou vestes brilhantes para dar seu recado. Menos ainda podemos imaginar um mestre do I Ching com poses ou paramentos estranhos para traduzir as mensagens desse Livro mântico. São artes que ressoam discrição e recolhimento.
Se o termo "espiritual" estiver ligado ao mundo psíquico no qual trabalham os médiuns e sensitivos da doutrina espírita, vemos na prática que eles realizam o seu trabalho com sua vestimenta cotidiana, pois os trajes para eles não entram necessariamente em conta.
Igualmente, nenhum dentre os grandes professores de astrologia que encontrei, nem instrutores e mestres de I Ching, no Brasil e na Europa, usava heterônimos e, desse modo, sempre passaram eles longe de qualquer pseudônimo comercial ou de alguma forma de ocultação de sua verdadeira procedência.
Tento encontrar uma razão para esse cenário teatral utilizado por uma certa tribo de cartomantes e advinhas com bola de cristal. Digo “uma certa tribo” porque a grande maioria das videntes que conheci utilizavam apoios simples (vidros, copos, artefatos) e se vestiam de modo comum. Se não estiver enganado em minhas observações, a utilização de fantasias está relacionada à imitação das cartomantes ciganas. Trata-se evidentemente de um modo de pegar carona no prestígio que as mulheres da cultura cigana têm com relação à quiromancia e à cartomancia.
No caso, porém, das mulheres árabes que leem a borra nas xícaras de café, todas as que tive oportunidade de apreciar sua arte fizeram a interpretação com as vestes habituais que usam no dia-a-dia aqui no Brasil e nenhum delas se vestia com os véus e costumes árabes, mesmo aquelas que ainda guardavam forte sotaque de sua origem.



Uma hipótese



Na história do baralho, entre os séculos XIV e XVIII, apenas se tem registro de sua utilização em jogos de lazer e jogos com apostas em dinheiro, área esta em que não faltam pinturas e alusões às artimanhas, fraudes e trapaças. Quando se torna notória a utilização das cartas com finalidade mântica, no final do século XVIII, estão igualmente presentes as referências ao modo ardiloso e nem sempre correto como que muitos cartomantes atuavam.
Os nômades que na Europa passaram a utilizar o baralho como instrumento de mancia tinham e têm até hoje uma relativo descompromisso com quem atendem, pois logo estarão longe. O show-off para atrair a atenção é um recurso compreensível quando se tem pouco tempo em cada lugar para obter o dinheiro desejado. As nômades se permitem atuar, portanto, de forma muito diferente das mulheres que vivem numa comunidade em que mantêm relações estáveis com os demais moradores.
É curioso como a imagem de desconfiança que os ciganos inspiravam no interior brasileiro, até poucas décadas, tenha se transformado num charme a ser imitado. Será um simples “sinal dos tempos” em que tirar partido da situação é mais importante que a ética?! Talvez.
Devo confessar que ao ver gente mudando de nome para pseudônimos ciganos e utilizando imitações de suas roupagens festivas, fico com um pé atrás. Não consigo confiar em conselheiros que “fazem de conta” ser o que não são. Dom de representar e fazer teatro não me parece ser o diferencial para dar respeitabilidade aos profissionais que dizem se dedicar à ajudar e orientar outras pessoas. Mas reconheço que, no meu caso, trata-se de uma predisposição pessoal, que contrasta com uma forte demanda popular pelos cenários de fantasias exotéricas.

A farsa quântica


Seria injusto dizer que o arsenal disponível de adornos e lantejoulas se resume unicamente ao guarda-roupa festivo dos ciganos. Considero uma piada o fato de algumas pessoas se apresentarem como “tarólogos quânticos”...! O tema da relação entre a ciência moderna e o saber tradicional já foi apresentado no painel Esoterismo Quântico, com vários textos elucidativos do qual participei com alguns comentários em Botox quântico ].
Por que será que não existem também tarólogos “atômicos” ou “nucleares”? Era de se esperar que estivessem disponíveis, pois a física nuclear se mostrou muito efetiva em suas aplicações: permitiu a criação da bomba atômica e de usinas. Já a mecânica quântica não foi muito além da teoria, sem ter sustentado até agora qualquer aplicação prática digna de nota.
Pouquíssimos são os tarólogos e cartomantes que, de fato, estudam a tal teoria quântica. A maior parte mal sabe do que se
trata, mas sempre tem aqueles que encontram aí um belo nome para enfeitar a divulgação dos serviços que oferecem. E tudo indica que são bem sucedidos frente ao público específico que coloca as aparências e pseudônimos exóticos como a referencia. Sim, cada um na sua!

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